A Economia Portuguesa no Contexto da União Económica e Monetária
Prof. Doutor António de Sousa

Em primeiro lugar, agradeço o convite que me foi dirigido para falar sobre um tema que me é muito caro que é a União Económica e Monetária e que acompanhei de muito perto no período em que desempenhei funções de Governador do Banco de Portugal e, por inerência, no Governing Council do BCE. Tendo em conta essa experiência, irei orientar esta minha intervenção em termos históricos, desde que começou a ser preparada a introdução do euro na UE até ao momento actual.

No caso de Portugal, o esforço de preparação para chegar ao euro foi bem sucedido mas a partir da introdução da moeda única (1 de Janeiro de 2002) houve coisas que não funcionaram tão bem. Podemos dizer que chegámos a horas ao euro mas, provavelmente, não no local exacto. A progressão atingida não era a que poderia, ou deveria, ter sido feita para que o país continuasse a estar bem na UEM.

Em termos históricos, no período de 1992/93 até 1996/97, houve uma preparação global e nacional para o euro conduzida pelos governos de então, que conseguiram uma consolidação orçamental muito significativa, mas mais do que esse esforço de consolidação orçamental conseguiram que ela fosse considerada um bem em si. Ou seja, à consolidação orçamental que foi durante anos altamente discutida foi atribuído um valor positivo, que de certa forma se tem mantido ao longo de todo este período. Conseguiu-se também a estabilização do escudo e o controlo da inflação, tendo-se atingido níveis de inflação que, durante todo o período, se mantiveram razoáveis e compatíveis com aquilo que se designa por estabilidade de preços. Tivemos, então, um período de preparação para o euro (que se tornou um objectivo nacional) em que se desenvolveram os esforços necessários para atingir os critérios considerados essenciais para a adesão à moeda única. E assim entrámos, com os nossos outros dez parceiros, na moeda única há dez anos atrás.

Para além desta breve introdução histórica, creio que, dado o tema em discussão - “A Economia Portuguesa no Contexto da UEM”, interessa reflectir sobre os impactos da nossa inserção na UEM. Na realidade, esses impactos não se fizeram sentir no momento da adesão à moeda única, já se faziam sentir um ano e meio ou dois anos antes quando começou a surgir a percepção – até aí impensável – de que Portugal poderia ser um membro fundador da moeda única. Em 1994/95, no ano que cheguei ao Banco de Portugal, a probabilidade de Portugal ser membro fundador do euro era considerada muito pequena. Progressivamente esta percepção foi-se modificando nos mercados internacionais, e em 1996/97, começámos de facto a usufruir das vantagens e também dos problemas que surgiram com a adesão à UEM.

Qual foi então o impacto imediato, um pouco antes de 1998/99, desta percepção e depois da concretização da nossa adesão à moeda única?

Primeiro, e de longe o mais relevante, verificou-se uma descida abrupta da taxa de juro. Os níveis das taxas de juro em Portugal, que em 1995 se situavam nos 12, 13 ou 14%, baixaram para os níveis médios europeus e depois para os níveis do euro, a partir do momento da adesão. Ou seja, para valores de cerca de 4% e até inferiores a 4% - actualmente estamos com valores próximos de 1%. Significa que, em cerca de dois anos, houve uma baixa de 8 a 10% - uma diminuição extremamente acentuada da taxa de juro. Isto despoletou, também, quer na taxa de juro de curto prazo, quer na taxa de juro de longo prazo, uma diminuição substancial dos spreads – o indicador que é normalmente utilizado e que tem por referencial mínimo o valor das obrigações do tesouro alemão – que diminuíram para valores mínimos, na ordem dos 10-20 pontos base, ficando em valores praticamente idênticos aos dos títulos alemães, quando anteriormente existia entre eles uma diferença de vários pontos percentuais (6-8%). De salientar que, antes dos anos 1990, não havia tão pouco emissões de longo prazo de Dívida Pública Portuguesa porque considerava-se não ser realizável a sua colocação nos mercados. Não era, com certeza, nos anos 80 do século XX, possível colocar dívida a 10-15 anos no mercado.

Sintetizando, verificou-se uma descida muito rápida e acentuada da taxa de juro, como tem acontecido em poucas economias, embora deva dizer-se que algo de semelhante sucedeu em dois outros países fundadores da moeda única, a Espanha e a Itália. Este facto, em Portugal, teve várias consequências, várias ondas de choque ou reacções imediatas. A mais relevante foi a explosão do crédito ao consumo em geral, e à habitação, em particular.

Por muito que queiramos apresentar diferentes perspectivas sobre a maneira como as famílias reagem às taxas de juro, a verdade é que para as famílias o que realmente importa é o montante que é pago mensalmente ao banco quando se tem um crédito hipotecário. Assim, a descida muito rápida das taxas de juro e, além disso, o possível prolongamento dos prazos dos empréstimos - as duas coisas aconteceram em simultâneo - fizerem com que o montante mensal a pagar ao banco diminuísse de forma extremamente acentuada. Esta situação veio beneficiar as pessoas que tinham empréstimo à habitação e aumentar o número de pessoas com possibilidade de recorrer ao crédito à habitação. Houve um aumento substancial do crédito ao consumo, mas não tão significativo como o crédito para habitação, dado que o aumento do crédito para esse tipo de produtos já tinha acontecido um pouco antes, nos anos 1990, mesmo com as taxas de juro ainda relativamente elevadas. Ainda hoje em dia, em Portugal, o crédito às famílias está fundamentalmente relacionado com a habitação que, em geral, representa e um pouco mais de 80% do crédito total às famílias. Houve pois um aumento exponencial do crédito a particulares, em especial para habitação, o que teve vários efeitos, uns muito positivos, outros nem tanto.

Um efeito muito positivo foi a expansão rápida da economia que ocorreu nesse período, associado essencialmente a dois factores: a importância do sector da construção na economia portuguesa, uma vez que a procura de casas aumentou significativamente; e, de forma mais geral, a uma política monetária com níveis de taxa de juro nominal bastante inferior, em que as condições de financiamento para as empresas melhoraram. Houve, efectivamente, uma expansão rápida da economia até 1999/2000, seguida de um período de estagnação muito longo, que continua a manter-se e que será abordado mais adiante.

Digamos que o primeiro impacto da adesão à moeda única foi bastante positivo e está associado ao aumento do crédito à habitação e à possibilidade das famílias poderem comportar essa despesa no seu orçamento mensal.

Mas, a rápida descida das taxas de juro trouxe outro aspecto menos positivo que foi o endividamento das famílias. Embora, se analisarmos os vários actores em presença na economia portuguesa, nestes últimos 15 anos(1), possamos dizer que as famílias são o agente do mercado que tem actuado com maior racionalidade económica. É interessante examinarmos o rácio entre o rendimento disponível e a despesa efectivamente suportada pelas famílias com os financiamentos. Verificamos que esse rácio se tem alterado relativamente pouco ao longo desse período, o que significa que as famílias têm sabido, de certa forma, manter uma situação de alguma contenção, não no endividamento, mas no rácio entre rendimento disponível e encargos mensais com as prestações de crédito.

Muitas vezes aparecem rácios despropositados, referindo que as famílias têm um endividamento de mais de 100% em relação ao rendimento disponível - isso tem um significado relativamente pouco importante porque ninguém está a pensar pagar um empréstimo à habitação num ano. Não é esse o rácio que deveremos ter em conta. O rácio correcto e a ter em consideração é o rácio de esforço financeiro que as famílias têm de fazer para cumprir as suas obrigações com a banca e as outras instituições financeiras de crédito. Refira-se que no ano corrente, embora com uma dimensão menor do que a registada na década de 90, a descida brusca da Euribor - o indexante utilizado para esses empréstimos – provocou o maior aumento no rendimento disponível das famílias dos últimos anos, após pagamento das prestações mensais relacionadas com os empréstimos à habitação. É uma situação original na situação de crise em que estamos. Com esta descida da Euribor verifica-se um aumento significativo do rendimento disponível, considerando que a média dos empréstimos em Portugal tem uma duração de 30 anos e as descidas foram na ordem dos 30 por cento o que, em euros, dará uma descida mensal de cerca de 350 euros. Valor significativo considerando os rendimentos médios que as famílias têm actualmente.

Se, por um lado, o nível de endividamento das famílias manteve sempre, apesar de ter aumentado, uma certa lógica económica, deixa o país e as famílias numa situação mais frágil quando as taxas de juro voltarem a subir, o que, inexoravelmente, virá a acontecer, pois se assim não for significará que o período de depressão irá continuar indefinidamente. Assim, a subida das taxas de juro será percepcionada como um bom sinal para a economia mundial. Retomando o assunto: se o endividamento das famílias foi relativamente racional, dentro da lógica atrás mencionada, já o endividamento das empresas e dos investidores, designadamente nos anos 2005 e 2007, principalmente dos investidores em bolsa, foi menos racional e atingiu níveis de risco demasiados elevados, o que fez aumentar o nível de endividamento e diminuir de forma substancial a resiliência das nossas empresas a variações de taxa de juro e de conjuntura. De salientar que estes investidores registaram perdas muito significativas, sendo vários casos são do conhecimento público.

Por outro lado, todos estes factores levaram a várias situações. Podemos considerar que, em meados dos anos 1990, entrámos numa fase áurea para a Banca nacional. A Banca nacional tornou-se um sector de excelência capaz de atrair as melhores pessoas. Isso aconteceu em Portugal e um pouco com os sistemas financeiros em todo o mundo. No caso português, não só aconteceu essa captação de recursos humanos, mas a própria Banca tornou-se extremamente eficiente. É de destacar, por exemplo, que temos e continuamos a ter um dos sistemas de pagamentos mais eficientes a nível mundial. Numa análise feita pelo BIS em 1998, Portugal e a Dinamarca foram considerados os países europeus com melhores sistemas de pagamentos. Basta compararmos as operações que podemos fazer numa ATM em Portugal, com as que se podem fazer nos outros países, mesmo nos grandes países europeus como a França, Alemanha ou Inglaterra. Os nossos sistemas de pagamento são bastante sofisticados, o nível de serviço que a Banca presta aos cidadãos é bastante melhor e mais abrangente do que acontece em muitos outros países.

Mas, após essa fase áurea, a Banca nacional começou progressivamente a enfrentar outros problemas, derivados dos factores de endividamento já atrás referidos. A expansão rápida da economia, o aumento substancial do consumo e do investimento privados(2) teve como consequência uma deterioração muito grande da balança de transacções correntes. As importações subiram substancialmente, enquanto as exportações subiram bastante menos, inclusivé houve uma perda de quota de mercado a nível do mercado mundial.

E como se comportou o Estado neste período de tempo, também ele um dos principais agentes do mercado? O que aconteceu em termos de consolidação orçamental depois do esforço que foi feito no período imediatamente anterior ao euro, a partir de 1997/98, quando era claro que entrávamos ou já tínhamos entrado na moeda única?

Nesse período, a descida da factura de juros no produto - que significou em termos de diminuição do défice orçamental total um valor de 4 ou 5% - foi, em grande parte, a responsável pela consolidação orçamental, ou seja pela diminuição do défice orçamental.

Por volta de 1998/99, tornou-se claro que o modelo seguido baseado na contenção de despesas, mas não propriamente numa diminuição de despesas, se tinha esgotado. A partir de 1999/2000 registou-se um aumento de despesa e o modelo baseado nos benefícios que advinham directamente, quase aritmeticamente, da descida da factura dos juros começou a desaparecer. De salientar o alerta que o Banco de Portugal fez na altura (finais de 1998, princípio de 1999), chamando a atenção para o facto do modelo de consolidação orçamental usado estar esgotado – o que causou uma certa polémica. Contudo, o Banco de Portugal limitou-se a dizer que não se podia continuar à espera que os juros resolvessem o problema, teriam de ser adoptadas outras medidas, porque a descida dos juros não iria persistir. O que aconteceu efectivamente foi que o modelo de consolidação orçamental que continuou a ser seguido - consolidação em termos amplos - passou a ser feito, fundamentalmente, através do melhor funcionamento da máquina fiscal. O que podemos considerar notável porque efectivamente, até aí, o sistema fiscal e a lei fiscal não eram cumpridos. A partir de então a máquina fiscal passou a estar em luta contra a evasão fiscal e permitiu manter um certo nível de despesa que, de outra forma, não teria sido possível. Após o aperfeiçoamento da máquina fiscal registou-se uma diminuição significativa da evasão fiscal.

O certo é que, quando olhamos para todo esse período, verifica-se um aumento quase contínuo do peso do Estado na economia, com pequenas excepções. Por vezes, esse aumento não é tão significativo e até, de vez em quando, há uma diminuição de poucas décimas. Mas se analisarmos todo o período em geral, desde a adesão ao euro até agora, verificamos que houve de facto um aumento quase contínuo do peso do Estado na economia, pelo menos é esta a tendência de longo prazo, com algumas excepções de um ou dois anos. Sem a preocupação de analisar em que ano desceu 0,2% ou subiu 0,3%, aferimos claramente que a tendência foi de crescimento do peso do Estado na economia.

Depois do aperfeiçoamento da máquina fiscal e, portanto, da aplicação efectiva das leis fiscais em que houve uma diminuição da evasão fiscal, entramos numa fase da subida efectiva de impostos. Primeiro a taxa normal do IVA subiu de 17 para 21%, desceu depois para 20%, subindo assim, no período em análise, de 17 para 20%. O IRS registou também algumas subidas devidas ao desaparecimento de uma série de deduções. O imposto automóvel, por razões ecológicas, tem vindo a aumentar. O ISP tem também aumentado. Neste período houve apenas uma pequena descida em relação ao IRC, embora tenha sido significativa pela orientação que deu.

Resumindo, tivemos uma consolidação orçamental sustentada, num primeiro momento, pela descida das taxas de juro, depois pelo aperfeiçoamento da máquina fiscal e de um melhor combate à evasão fiscal e, por fim, nestes últimos quatro ou cinco anos, foi mesmo sustentada por uma subida de impostos com algum significado, designadamente no caso do IVA, que é um dos impostos que mais receita possibilita ao Estado.

E, em termos de despesas, o que foi feito pelo Estado? Digamos que as medidas tomadas até ao momento foram insuficientes. Se é certo que se verificou alguma contenção nuns casos, noutros as medidas tomadas aumentaram a despesa do País.

A situação actual caracteriza-se por um período em que o País sai de um período de estagnação e de tentativa de consolidação orçamental, que já se verificava há quatro ou cinco anos, ainda antes de o acentuar da crise no segundo semestre de 2008. Portanto, já vivíamos em quase estagnação económica há vários anos, antes da crise no 2º semestre de 2008 e com uma divergência real em relação à Europa, como foi frisado na comunicação proferida nesta Conferência pelo Professor Pitta e Cunha. Assim, no momento em que poderíamos começar a estar numa situação mais consolidada, vimo-nos afectados por uma crise financeira mundial que se transmitiu rapidamente à economia real. Crise que, como sabemos, afectou o mundo inteiro e nós não fomos excepção.

Tendo em consideração o tema genérico da Conferência e, em especial, este painel sobre Economia Portuguesa no Contexto da UEM, quero salientar que sem o euro e a protecção que a moeda única nos deu, Portugal, com os desequilíbrios da economia externa e com uma situação bastante frágil em termos económicos em geral - nomeadamente devido aos baixos níveis de produtividade, inferiores ao dos nossos principais concorrentes - não teria conseguido, pelo menos, duas coisas: em primeiro lugar evitar uma derrocada dos sistemas financeiros como aconteceu noutros países, nomeadamente em países do Leste europeu, em que vários deles entraram completamente em queda. E não só no Leste, basta olharmos para o caso da Islândia e da Irlanda(3). Em segundo lugar, o euro deu-nos uma protecção efectiva pois evitou que os sistemas financeiros entrassem em derrocada de um momento para o outro. Refiro que não é estranho vermos países que não gostavam da ideia do euro e, algumas vezes, nem da ideia da União Europeia – a Islândia é um caso concreto – quererem agora entrar rapidamente na União e no euro, precisamente porque vêem que há um “chapéu-de-chuva” que lhes permite acautelar esses aspectos. Temos, no entanto, de ter consciência de que se o euro permite isso, a verdade é que provavelmente não irá permitir uma recuperação tão rápida como aquela que poderíamos ter se tivéssemos um choque brutal na economia (em que provavelmente se verificaria uma desvalorização significativa do escudo), nem passar por situações de aumento brutal do desemprego. O desemprego irá aumentar sim, mas não de uma forma brusca e não haverá empobrecimento das famílias, de um momento para o outro, como aconteceu nos anos 80, designadamente no período de 1983/84, em que houve necessidade de desvalorizar significativamente o escudo.

Mas, isto torna as coisas muito mais difíceis para o País. Porquê? Porque se, por um lado, Portugal passou de um crescimento potencial que era estimado, na altura, na ordem dos 3 a 4%, para um número hoje em dia inferior a 2%, significa que, se não fizermos alguma mudança estrutural na nossa economia, muito provavelmente o que irá acontecer é uma contínua divergência - e não convergência - da nossa economia com a economia europeia, isto é um empobrecimento progressivo de Portugal. Por outro lado, a produtividade tem permanecido relativamente estagnada, pelo menos em termos relativos, verificando-se até alguma deterioração, se considerarmos um período de tempo mais longo. A necessidade de deleverage das empresas e do próprio sistema financeiro português é evidente, porque atingiu valores muito elevados, embora não tão elevados comparados com outros países europeus. Nos outros países europeus esse processo de deleverage está já em curso e Portugal tem também de o fazer. Afinal, o sistema financeiro português tem vindo a financiar o défice externo que se tem registado todos os anos. E, se ouvimos falar do duplo défice ou dos défices gémeos americanos, ou seja défice orçamental e défice da balança das transacções correntes, em Portugal, temos uma situação do mesmo género, com a desvantagem de não emitirmos moeda, mas com a vantagem de utilizarmos uma moeda que tem por trás de si, grosso modo, uma economia com a mesma dimensão da economia americana. No entanto, temos claramente a necessidade de deleverage e de começar rapidamente um novo processo de equilíbrio orçamental, que não pode ser feito, em consolidação orçamental, durante um período de recessão económica – isso seria, uma vez mais, uma política pro-cíclica. Infelizmente, temos vivido quase sempre com políticas pro-cíclicas, mas não será concerteza o mais aconselhável neste momento. Teremos que ver quando é que poderemos voltar a essa tentativa de, pelo menos, não ter os défices gémeos e ajudar à diminuição do saldo da balança de transacções correntes.

Terminava dizendo duas coisas. Se Portugal não fizesse parte da UEM, neste momento, a economia portuguesa estaria a sofrer, com certeza, muito mais do que actualmente. Mas, por outro lado, o facto de pertencermos à UEM implica certas regras de comportamento, nomeadamente em termos orçamentais e em termos de condições de competitividade, que não temos sido capazes de implementar, com reflexos numa divergência progressiva em relação aos nossos parceiros europeus.

Não há, dentro da UEM, soluções fáceis de desvalorização e de aumentos brutais da taxa de juro, nem teremos aquela fórmula relativamente indolor que é diminuir os salários reais porque a inflação aumenta 20 ou 30% (isso aconteceu em Portugal no princípio dos anos 1980). Mas não havendo essas fórmulas, teremos que arranjar outras mais transparentes e que resultem de um consenso a nível nacional.

Portugal terá de ser capaz de refazer a competitividade, assumindo uma nova atitude e ganhando consciência de que seremos capazes de acompanhar a recuperação económica que virá, embora não saibamos quando.

Se há coisa que os economistas têm dificuldade em perceber são os ciclos económicos. Sabemos que existem, mas antecipá-los é extremamente difícil. E, a questão central – mas essa seria outra Conferência – é como é que vamos conseguir essa tal consciência e consenso nacionais que nos permitam, dentro da UEM - e, portanto, sem choques abruptos - sairmos de uma situação de empobrecimento relativo, para uma situação de estabilidade, acompanhando o desenvolvimento dos restantes países e retomando a trajectória de convergência que conseguimos até pouco depois do princípio da UEM.

Outubro de 2009

(1) Desde que o euro se tornou um objectivo nacional, passando pelo momento em que o euro entrou em circulação e até aos dias de hoje.
(2) Investimento privado muito orientado para a habitação e bens de consumo duradouros.
(3) Isto mostra que o euro deixou de permitir os chamados quick fixes, ou seja, o empobrecimento de todo o país, diminuindo o valor da moeda, como se faz desde há centenas de anos através da desvalorização da moeda.

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